O mundo em que estamos criando nossos filhos é diferente daquele em que fomos criadas. A internet, aliada a outras tecnologias, revolucionou a forma como muitas coisas são feitas – inclusive o modo como escolhemos passar parte de nosso tempo livre. Não é diferente com as crianças: elas também descobriram que podem se divertir com tablets e smartphones. Diferente da nossa geração, que só foi entrar em contato com a parafernália tecnológica na adolescência, nossos filhos fazem parte da primeira geração que já nasceu com as telas touch ao alcance de suas pequenas mãozinhas. Por um tempo, a discussão era se deveríamos permitir ou proibir tempo de tela, e permitindo, por quanto tempo eles poderiam usar esses aparelhos sem prejuízos para o desenvolvimento. Mas foi-se o tempo em que a questão era apenas essa. É inegável o fato que os dispositivos eletrônicos vieram para ficar. Cada vez mais, somos direcionados a resolver online o que antes fazíamos presencialmente. Poupar totalmente nossos filhos do contato com as tecnologias só atrasaria uma parte de seu desenvolvimento. E mesmo que decidíssemos poupá-los, mais cedo ou mais tarde teriam que aprender, já que diversas tarefas que precisam fazer para a escola hoje em dia (e mais ainda após a pandemia) são feitas online. Podemos optar por não presentear as crianças com tablets ou smartphones, mas fatalmente elas terão acesso a isso por meio dos amigos. Gostando ou não de tecnologia, não temos mais a escolha de embarcar ou não neste universo, e tampouco nossos filhos terão. Logo, em vez de negar o que está acontecendo, temos que aprender a lidar e trabalhar com o que temos da melhor forma.
Entender por que muitas vezes a tecnologia rouba o lugar de outras atividades na vida de nossos filhos ajuda a nos posicionarmos com relação ao uso. Um dos motivos para o uso excessivo de telas hoje em dia é, muitas vezes, a falta de opções mais saudáveis disponíveis aos pequenos. Ou as opções até existem – afinal, continuamos presenteando os pequenos com brinquedos – mas não estão dando conta de competir com o apelo de um youtube ou de uma rede social. O estilo de vida que levamos hoje também influencia. Até meados dos anos 1990, as crianças saíam de casa e passavam o dia brincando na rua, de uma forma que os pais de hoje em dia infelizmente não podem permitir. O paradoxo é que, para livrar as crianças de riscos como assaltos, acidentes e sequestros, os pais de hoje mantêm seus filhos dentro de casa. Mas uma vez em casa, esquecem-se de monitorar o que as crianças estão fazendo – que muitas vezes envolve telas. Precisamos nos lembrar que o risco de uma criança não supervisionada passar muito tempo em frente a uma tela vai muito além de problemas de vista ou de déficit de atenção. Estes também ocorrem, mas são na verdade menos graves do que outros aos quais elas ficam expostas no ambiente virtual, e que muitas vezes nem nos passam pela cabeça. O pensamento dos pais de hoje ainda costuma ser baseado em como era a vida antigamente. Assim, é fácil concluir erroneamente que, se as crianças estão em casa e estão quietas, devem estar seguras. Mas se o tempo passado em casa estiver envolvendo o uso de dispositivos eletrônicos, infelizmente essa segurança é uma mera ilusão. Os problemas que podem surgir de um uso indiscriminado de telas vão desde uma redução de elementos que compõem a inteligência emocional (como a capacidade de “ler o ambiente” ou sentir empatia, por exemplo), até o atrofiamento de habilidades sociais (como a capacidade de fazer amigos e cultivar laços), passando pelo risco da exposição das crianças a imagens e vídeos inapropriados (e do trauma que pode decorrer se acabarem vendo algo sem a estrutura emocional suficiente para lidar com aquele conteúdo), sem falar do risco da própria criança acabar se expondo ao postar algo dela mesma, sem ter ainda a noção do que acontece com algo que cai na rede, de possíveis contatos com golpistas e até pedófilos, sem nem entrar na seara da manipulação da mente feita pelos algoritmos, a qual estamos todos sujeitos mas que é infinitamente mais prejudicial às crianças. Um tantinho assustador.
Mesmo com tantos perigos, sabemos que o virtual acabará fazendo parte da vida de nossos filhos. Como regular então essa presença deles on-line, de modo que seja segura? Como pais, do ponto de vista histórico, simplesmente não temos nenhuma experiência anterior que possamos nos basear para chegar a um meio termo com relação ao uso de tela. Talvez nós mesmos estejamos tendo dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio em nosso próprio uso da tecnologia, e por isso o assunto é tão perturbador. Foi por isso que achei tão bacanas as ideias que a Dra. Elizabeth Kilbey traz no livro Como criar filhos na era digital (Editora Fontanar: 2017. 220 pgs), e resolvi compartilhar com vocês. Avessa à proibição de telas, Dra. Kilbey acredita que o mais importante que os pais podem fazer é criar e ensinar bons hábitos digitais. Assim como outros temas importantes que permeiam a vida de crianças e adolescentes, devemos conversar com nossos filhos sobre o mundo virtual para garantir que eles tenham uma relação saudável com as telas. E claro, precisamos ajustar nosso próprio uso da tecnologia sempre que possível, para darmos o exemplo.
Sugestões para direcionarmos bem o tempo de tela das crianças:
* Converse com seu filho sobre o que ele gosta de fazer quando está usando o tablet ou o smartphone. Pergunte a ele o que torna o jogo x tão atraente ou por que ele gosta de ver tal tipo de vídeo. Dessa forma, em vez de simplesmente ficar na posição de quem dita as regras para que sejam cumpridas, você estará abrindo um diálogo sobre o conteúdo do que ele procura on-line. Isso dá a oportunidade de orientá-lo não só sobre uso de dispositivos eletrônicos, mas também sobre diversas outras situações aos quais ele fica exposto virtualmente e que muitas vezes, não fazemos ideia.
* Para que a mídia não tire o lugar da atividade física e de outros comportamentos essenciais para a saúde, além do tempo que ele passa na escola, matricule seu filho em outras atividades saudáveis e certifique-se de que ele está comparecendo.
* O sono pode ser facilmente afetado pelo uso dos aparelhos eletrônicos. Para que não aconteça, determine um horário limite para que seu filho faça uso das telas, de forma que ele se desconecte pelo menos uma hora antes de dormir.
* Promova e incentive o encontro presencial de seu filho com amigos, preferencialmente para que façam atividades que não envolvam (e dificultem ou mesmo impeçam) o uso de telas como brincadeiras na piscina, passeios de bicicleta, a montagem de quebra-cabeças ou rodadas de jogos de tabuleiro.
* Tente evitar que as crianças fiquem on-line por longos períodos. Em vez disso, se for inevitável o uso das telas, divida o tempo em sessões menores. A Dra. Elizabeth sugere um máximo de meia hora para crianças em idade latente (de 4-9 anos) e 45 minutos para os mais velhos.
* Uma forma tranquila de quebrar o tempo que eles passam conectados é deixar que usem as telas antes de outras atividades para as quais precisarão deixar de lado seus aparelhos como: um pouco antes do almoço, um pouco antes de irem para a aula de inglês, um pouco antes de tomarem banho à noite e se prepararem para dormir.* Instale e deixe ativos todos os tipos de filtros para a idade que puder. Isso varia de dispositivo para dispositivo, e também de aplicativo para aplicativo. Vale a pena pesquisar e ativar esses filtros.
Sugestões para aproveitarmos melhor nosso próprio tempo de tela:
* Registre seu uso de tecnologia. Sabendo quanto tempo te tela você realmente acumula por dia poderá ajudar em seu esforço consciente para reduzí-lo.
* Desative as notificações. Não deixe que bipes e vibrações constantes interrompam você o tempo todo, convidando-o a checar o celular o tempo todo.
* Mude as configurações do seu aparelho, deixando-o no “silencioso”, “modo avião” ou “não perturbe”, dependendo do quanto você estiver disposto a ser incomodado.
* Faça uma faxina nos seus aplicativos. Você já parou para ver se realmente precisa de todos os aplicativos que tem no celular no momento? E que tal deletar (nem que seja apenas por um tempo) aqueles aplicativos de redes sociais, por exemplo? Numa dessas, você pode desacostumar de utilizá-las sem nem perceber.
* Permita-se ficar entediado. Em vez de pegar o celular automaticamente quando estiver num ônibus, trem ou em uma sala de espera, permita-se ficar parado e simplesmente viver aquele momento. Olhe ao redor, olhe pela janela, leia um livro ou jornal ou apenas perceba o que está acontecendo à sua volta.
* Faça algo sem seu celular. Tente sair por períodos curtos sem seu telefone. Vá a uma aula de ioga ou faça uma caminhada.
* Ao contrário do que se acreditava antigamente, já sabemos hoje que realizar múltiplas tarefas nos torna menos eficientes. É algo para termos em mente, naqueles momentos em que estivermos fazendo algo e bater a tentação de pegar também o celular para resolver algo em paralelo.
* Defina momentos e áreas da sua casa que serão sem tela – tanto para as crianças quanto para você. Essas áreas podem ser o quarto, a mesa de refeições ou o banheiro.
* Bloqueie seu aparelho com uma senha longa e complicada. Digitá-la toda vez para desbloquear o desencorajará de pegar o celular repetidas vezes durante o dia.
Precisamos ainda nos lembrar que nem todo tempo de tela é igual. Quando o assunto é o tempo passado em tablets, computadores ou telefones celulares, a Dra. Elizabeth Kilbey, autora de “Como criar filhos na era digital” ainda nos lembra que a questão não é apenas a quantidade, mas a qualidade. Existe uma diferença entre seu filho usar um aparelho digital durante duas horas para conversar com os avós por Skype, pesquisar coisas no Google para um trabalho de escola, fazer um filme animado e usar o aparelho para ver vídeos no YouTube. É importante que seu filho realize as tarefas designadas pela escola a serem feitas no ambiente virtual. É claro que o aprendizado interativo não é um substituto para o aprendizado tradicional, mas pode funcionar muito bem junto com ele. E caso seu filho realmente goste de lidar com a tecnologia, incentive-o a passar menos tempo consumindo conteúdo digital passivamente e mais tempo usando as telas de maneira construtiva para criar, aprender e se relacionar. Dessa forma, dosando o tempo que eles passam nas telas e mantendo-nos atentas ao que eles estão fazendo virtualmente, vai ser possível protegê-los dos perigos invisíveis sem poupá-los das vantagens de se viver na era digital.