Há algum tempo uma brincadeira circulou nas redes como homenagem ao Dia da Mulher: um post, que seria de autoria de ninguém menos que Joana D’Arc, no qual ela escrevia: “Gaaaatas, hoje é nosso dia. Bora fazer coisa de mulher, tipo salvar a França dos ingleses.” Em resposta, algumas outras ilustres deixavam seus comentários. Maria Quitéria respondia “Ou lutar contra os portugueses pela independência.”. Marie Curie completava: “Peraí, deixa eu só guardar meu Nobel de física e química aqui, rapidão”. Ao que Cleópatara VII emendava: “Governar o Egito, tomar um solzinho e dar uns pega no César.”. Anita Garibaldi também não deixava barato: “Lutar na Revolução Farroupilha, na Batalha dos Curitibanos e na Itália também conta?” A brincadeira encanta porque essa é a situação em que as mulheres se encontram hoje: há muito deixamos de simplesmente fazer as chamadas “coisas de mulher” mas ainda há um caminho a ser percorrido até que sejamos vistas pelos homens (e pelas próprias mulheres) como equivalentes em inteligência, competência e capacidade.

A introdução da mulher no mercado de trabalho se deu com a Primeira e Segunda Guerra Mundial, entre 1914 e 1945, em parte por vontade delas e em parte por força das circunstâncias. Os homens iam para as batalhas (e muitas vezes não retornavam), o que abriu espaço – quando não obrigou – as mulheres a assumirem o papel dos homens na família, tornando-se além de cuidadoras também provedoras. As guerras terminaram e muitos lares retornaram para o modelo antigo. Assim, o caminho foi aberto, mas ainda por algum tempo a mulher que “trabalhava fora” era considerada uma revolucionária. Os tempos são outros, mas alguns estereótipos ainda permanecem. Por exemplo, o de que existiram profissões para homens e para mulheres. As ocupações tipicamente femininas seriam aquelas nas quais a mulher, de alguma forma, cuidaria dos demais como professora infantil, enfermeira, babá, secretária… Já as profissões tipicamente masculinas seriam aquelas que envolveriam a força física e também cargos de poder como presidentes de empresas, pilotos, mecânicos, engenheiros etc. É deste lugar que observamos acontecer agora a nova revolução feminina no mercado de trabalho. Quase como uma revolução dentro da revolução, cada vez mais mulheres estão assumindo postos de trabalho outrora considerados tipicamente masculinos. É o que fez por exemplo a advogada, internacionalista e hoje empresária Daniela Queiroz, de Brasília. Casada e mãe de dois filhos, em meio à sua rotina atribulada ela arrumou tempo e disposição para erguer as mangas e entrar junto com seu pai no ramo de exportação de madeira. Entrevistamos Daniela para saber um pouco mais do que ela faz e descobrir como é possível ser bem sucedida nos papeis de empresária, esposa e mãe, mantendo-se linda enquanto desbrava um terreno tipicamente masculino.

Daniela Queiroz com a matéria prima de seu trabalho

MULHERES EM ALPHA: Como você ingressou no ramo da madeira? Fale um pouco sobre o campo onde está atuando.

DANIELA QUEIROZ: Temos um reflorestamento da madeira Teca no Pará, na Amazônia brasileira. São 650 hectares de reflorestamento. A Teca é uma madeira de origem asiática, que vem sendo reflorestada no Brasil há algum tempo. Hoje encontramos em torno de 87 mil hectares plantados no Brasil. Trata-se do maior plantio da América Latina. Uma das razões pelas quais essa madeira se desenvolve tão bem em terras brasileiras é o clima tropical. Outra razão é o fato de, no Brasil, ela engrossar e chegar à sua maturidade muito mais rápido que na Ásia. Se lá ela demora mais ou menos um século para chegar à idade adulta, no Brasil já conseguimos fazer um corte raso, que é o que dizemos quando ela chega à sua maturidade, com vinte anos. Então tudo começou quando meu pai decidiu, há muitos anos, trabalhar com reflorestamento. Foi um investimento a longo prazo. Afinal, quem faz um investimento para ter um retorno em vinte anos? Na época, ele foi questionado por essa decisão, mas eu o enxergo como visionário. Hoje fica evidente que o investimento valeu a pena. Gosto muito do meu trabalho porque lido com algo sustentável, benéfico ao meio ambiente e extremamente versátil. A Teca é uma madeira nobre, muito usada na indústria náutica, por conta da presença de uma substância natural que age como um pesticida – “Tectoquinona”, o que a torna resistente às condições climáticas, como o sol excessivo e chuva, evitando também o ataque de fungos e insetos. É de fácil torneamento, leve, boa de se trabalhar. O maior mercado consumidor hoje é o da Índia. Me formei em Direito e Relações Internacionais e hoje uso meus conhecimentos para auxiliar meu pai com a exportação e comercialização da madeira.

MULHERES EM ALPHA: Como seria um dia típico de trabalho seu?

DANIELA QUEIROZ: Atuo na parte mais burocrática. Faço as exportações e negociações com os clientes. Cuido ainda dos contratos internacionais de compra e venda da madeira, além de verificar as questões ambientais junto à Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Para fazer tudo isso com maestria, preciso entender do “chão de fábrica” e ter um vasto conhecimento do campo. Preciso conhecer minha madeira, entender sua qualidade, saber do incremento médio anual “IMA” ao longo dos anos, da capacidade produtiva anual dos talhões, porque isso tudo entra na mesa de negociação com o cliente. Se eu conheço bem o meu plantio, a minha floresta, eu vou saber vender melhor o meu produto para o meu cliente, até para saber argumentar e pleitear um preço melhor. Preciso saber como está o mercado internacional e para isso temos acesso aos boletins quinzenais do ITTO (International Tropical Timber Organization).

MULJERES EM ALPHA: Como é para uma mulher trabalhar num ramo tipicamente masculino? Quais seriam os maiores desafios?

DANIELA QUEIROZ: É curioso trabalhar num ramo tão masculino quanto o ramo da madeira. Vejo isso nos Congressos que vou, onde o que domina é a presença masculina. Mas aos poucos isso está mudando. Começamos a ver engenheiras florestais, ambientais, enfim, mulheres atuando em campos que eram tipicamente masculinos. O machismo ainda existe, mas acredito que quando demonstramos um conhecimento notório na área que atuamos, o reconhecimento dos pares vem naturalmente. Por vezes tenho que ser incisiva nas minhas posições. Me posiciono de uma forma muito assertiva, e aí o cenário muda. É importante a mulher saber se posicionar desde o primeiro momento. É muito bom ver que quando a gente sabe se colocar no mercado de trabalho, ganhamos a recompensa e a admiração das pessoas. Um fato engraçado que já aconteceu nesses Congressos Internacionais, foi uma vez na Costa Rica, onde tinham pessoas de várias nacionalidades, em sua maioria homens, e lá pelas tantas acabou-se formando uma fila(!) para tirar fotos comigo, do tanto que à época, a presença de uma mulher no evento era considerado algo raro. Na ocasião, posei para fotos com chineses, indianos, angolanos… Meu marido, que me acompanhava nesse evento, foi quem bateu as fotos. Levamos tudo na brincadeira, demos risada. E todos tinham a mesma curiosidade: Como uma mulher e ainda jovem (!) estava presente e negociando em um Congresso Internacional de Florestas Plantadas?

MULHERES EM ALPHA: E falando em orgulho, do que você mais se orgulha no seu trabalho? Quais foram suas maiores alegrias e conquistas?

DANIELA QUEIROZ: Acredito que minha maior conquista foi o aprendizado. Quando entrei nesse ramo, eu não entendia absolutamente nada de madeira. As diferentes fórmulas de medição, como funcionavam, como uma madeira “trabalhava”, ou seja, que tende a contrair-se conforme vai secando e expandir-se conforme absorve umidade. Nesse quesito meu pai foi um grande professor. Ele teve uma paciência incrível em me ensinar tudo com muito detalhe. Claro que depois que você pega o jeito, a coisa fica até automática, natural. Mas no início, quando você não entende muita coisa, parece algo quase que intransponível. Então é nesse momento que às vezes me pego a refletir sobre tudo o que já fiz, realizei… Sobre tudo o que aprendi e sobre como é possível conseguir o que almejamos.

                Fico feliz também por estar trabalhando num ramo que é sustentável. Sim, é um investimento, mas ele auxilia, sobretudo, na redução de gás carbônico (CO2) na atmosfera e, consequentemente, no agravamento do efeito estufa. A título de curiosidade, uma árvore jovem capta algo em torno de 15 Kg/ano de carbono da atmosfera até os seus 20 anos. Além disso, recupera-se o solo, pois o húmus que fica na terra é um adubo rico em nutrientes, e auxilia na compactação do solo.

Após exportarmos a madeira para a Índia (que consome 90% da produção mundial de Teca) ficam alguns resíduos na floresta, que são madeiras extremamente nobres. Ao ver aquele resíduo na floresta, comecei a pensar que seria interessante e até importante dar um destino a ele. E foi aí que surgiu a ideia da Nattecastore, onde todas as peças são feitas em Teca, sustentável e com rastreabilidade ambiental.

MULHERES EM ALPHA: Você pode nos contar um pouco mais sobre a empresa Natteca?

DANIELA QUEIROZ: Então, exportamos a madeira em tora para a India. No entanto, ficamos com muita madeira ainda comercial e resíduos na floresta, que não são enviadas à exportação.

Madeira essa que é tão nobre, tão linda, com seus tons amarronzados contrastando com o branco de seu alburno, e seus anéis que diziam um a um a sua idade…

Foram muitas noites e dias de inquietude, pensando em como agradecer a natureza pelo seu feito e enaltecer o que já era belo, aproveitando os traços únicos que cada árvore de sua maneira singular me presenteou ao longo de sua trajetória de 20 anos…. E como complemento, o trabalho manual do homem aliado à sensibilidade de sua alma para eternizar cada uma dessas peças….

Ainda estamos em fase de implementação, de produção de peças piloto, mas tenho certeza que todos irão se apaixonar pelo mesmo propósito que me moveu até aqui! E foi assim, que surgiu a Natteca: como uma paixão pelo belo, pela natureza, pela sustentabilidade e pela história que cada peça traz consigo!

Peça da @Nattecastore

MULHERES EM ALPHA: Como conciliar maternidade, trabalho, casamento, casa, vida social…?

DANIELA QUEIROZ: Ufa, que demanda! Acredito que este seja o desafio de toda mulher. Tentamos nos virar em mil, preencher todos os papeis de forma satisfatória, e sabemos que algumas vezes iremos conseguir e em outras, falhar, mas a vida seguirá. Acredito muito que é importante colocar uma energia maior na área que estiver precisando em cada momento, seja com relação a nossos filhos, seja com relação ao casamento, ao trabalho, e por aí vai. Precisamos ter a vontade de dar o nosso melhor sempre que possível, mas sem fazer disso um peso. Gosto de levar a vida com leveza. Os desafios do dia a dia vão sempre existir, então foquemos em solucioná-los. Tudo o que você foca, se expande. Então foque no que importa, na solução e não no desafio. Perceberá que a sua vida passará a ter maior serenidade.

Daniela com o marido e filhos

MULHERES EM ALPHA: Qual conselho você daria para as mulheres que estão ingressando numa área tipicamente masculina?

DANIELA QUEIROZ: Acho que existem três coisas principais. A primeira é entender o que você está fazendo. É fundamental entender a fundo a matéria com a qual você trabalha, dominar o assunto. Isso é importante porque gera reconhecimento dos seus colegas de trabalho, e a percepção de que ser bom naquele ramo independe de sexo. O segundo ponto é ser assertiva na sua forma de se posicionar. Quando for debater um assunto numa reunião de trabalho, por exemplo, ou tomar decisões no ramo de uma empresa, seja assertiva, posicione-se de forma clara, concisa, específica. Coloque seu ponto de vista de forma bastante clara.

O terceiro ponto é: não deixe de ser feminina. Continue sendo você! Não é porque você está num ambiente tipicamente masculino que você deve portar-se como homem, vestir-se como homem, falar grosso como homem… Se você é uma mulher, continue agindo e portando-se como tal! Use sim sua maquiagem, seu brinco… Se o cargo que você ocupa a permitir usar um salto, use o salto. Não deixe de ser feminina porque você ocupa um cargo predominante masculino. Agindo assim, você estará ajudando a mostrar que não é o sexo que determina o padrão de qualidade de um trabalho. Ou seja, você estará ajudando todas as outras mulheres que também estão tentando abrir caminho em áreas nas quais ainda são vistas com desconfiança pelo simples fato de serem mulheres. Tenha em mente que ao fazer um bom trabalho, você está fazendo um bem a si mesma, a sua empresa e a todas as outras mulheres. Isso é muito bacana! Acho que esses três pontos que falei, são os principais. Para falar da minha experiência pessoal, quando vou para campo, coloco uma bota, uma camisa, para me proteger dos mosquitos, mas também passo minha maquiagem. Gosto de usar meu blush, minha máscara de cílios, gosto de continuar me sentindo feminina. Nós mulheres às vezes questionamos nossa própria capacidade de trabalho. É interessante notar que o machismo não vem só do homem – ele parte muitas vezes da mulher. Não podemos achar que estamos em desvantagem simplesmente por sermos mulheres. Estamos todos no mesmo patamar. O trabalho precisa ser executado e os resultados precisam ser alcançados, seja por um homem ou por uma mulher. Isso precisa ser frisado. O que não quer dizer, é claro, que nós mulheres não tenhamos algumas habilidades que são próprias de mulheres, e que até nos ajudam numa competição saudável com os homens. Os homens podem contar com uma força mais bruta, até por questões genéticas. Nós, em contrapartida, temos outras habilidades diferentes que são maravilhosas e que sobressaem aos homens. Assim como na vida, homens e mulheres são complementares nos ambientes de trabalho. Cada um tem uma ótica diferente e essas forças, quando unidas, podem alcançar aí o topo em qualquer área!

É isso aí! Daniela Queiroz é um exemplo de que não precisamos aceitar os papeis de gênero que nos são socialmente atribuídos, que podemos sim ser bem-sucedidas em qualquer área que desejarmos, e que fazendo bem feito a parte que nos couber, estaremos trabalhando não só em nossos objetivos mas também em prol de todas as outras mulheres, para que sejam cada vez mais respeitadas e admiradas. Uma grande lição de empoderamento e sororidade.